Os anos de 1976 e 1977 não foram bons para os pilotos brasileiros no exterior. Na F-1, 76 marcou a ida de Emerson Fittipaldi para a Copersucar, e a introdução dos motores Alfa-Romeo na Brabham, onde corria José Carlos Pace, ambas empreitadas mal sucedidas. Na F-2, Alex Dias Ribeiro foi competitivo, mas não conseguiu ganhar sequer uma corrida, tomando verdadeiro banho dos carros equipados com motor Renault, e Ingo Hoffman teve temporada apagada. Na F-3, Paulo Gomes e Aryon Cornelsen foram discretos. 1977 não foi muito melhor. Na F-1, o ano começou melhor para Emerson, mas a maior parte dos seus pontos foram obtidos nas 4 primeiras corridas. Pace morreu em acidente aéreo, após um começo de ano promissor, e Alex Dias Ribeiro teve uma péssima temporada. Na F-2, Ingo Hoffman foi melhor do que na temporada anterior, mas foi consistentemente batido pelo seu companheiro Eddie Cheever. Na F-3, um grupo razoável de pilotos brasileiros foi para a Europa, mas só Nelson Piquet demonstrou futuro, ganhando duas corridas no Europeu. A exceção foi na F-Ford, onde Chico Serra brilhou, prometendo muito.
Como os brasileiros já estavam se acostumando aos sucessos de Fittipaldi e Pace na F-1, e boas temporadas na F-3, o saldo desses dois anos foi negativo. Mas o começo de 1978 parecia apontar para uma mudança de rumos. Na F-1, Emerson obteve um excelente e memorável segundo lugar no GP do Brasil. Alex Dias Ribeiro ganhou a tradicional Eifellrennen na F-2, e Nelson Piquet e Chico Serra disputavam entre si os Campeonatos Britânicos de F-3. Os brazucas estavam de volta!
Dentro desse ambiente mais positivo se deu uma aventura brasileira em Le Mans – de fato, a única vez que um trio brasileiro correu na mais tradicional corrida européia.
As participações brasileiras em Le Mans foram poucas até hoje. Para um histórico mais abrangente, clique aqui. O maior sucesso até a época tinha sido o segundo lugar obtido por José Carlos Pace, em 1973, em dupla com Arturo Merzario, a bordo de uma Ferrari. E foi com uma singela homenagem ao falecido Pace que foi inscrito o Porsche 935 da equipe de Henri Cachia (nome oficial da equipe Asa Cachia Team Pace) . Esta equipe não era uma escuderia de ponta no Grupo V, mas esse mesmo carro tinha obtido o 3° lugar em 1977, nas mãos de Claude Ballot-Lena e Peter Gregg. A escolha de carro não poderia ser melhor, e com patrocínio da Sul Fabril e Gledson, embarcaram os três pilotos para a Europa: Paulo Mello Gomes, que fora parceiro de Pace nas corridas de Grupo 1 de 1975 e 76, Alfredo Guaraná Menezes, campeão da Fórmula Super-Vê, e Mario Amaral, piloto de Divisão 1.
A CORRIDA
Le Mans 1978 foi clássica e a batalha prometida seria épica. A Renault tentava pelo terceiro ano seguido ganhar a corrida, e veio com tudo: uma armada de 4 Alpine Renault turbo, além de equipar dois Mirage americanos com o motor Renault Turbo. A Porsche, por sua vez, inscreveu três 936 que haviam ganho as duas edições anteriores da prova, e um 935 super preparado, chamado de Moby Dick. Grande parte dos pilotos da Renault eram franceses(só Derek Bell, e muitos pilotos da Mirage eram estrangeiros, com exceção de Laffite e Leclere na última), ao passo que a Porsche era mais cosmopolita, embora também tivesse dois franceses na sua equipe: Bob Wollek e Henri Pescarolo. De fato, Pescarolo e Jacky Ickx compartilhariam um dos carros: entre os dois, sete vitórias em Le Mans até aquela época. A corrida foi a batalha campal que se esperava, e terminou com a vitória da Renault: dividiram o carro vencedor o jovem Didier Pironi e o veterano Jean-Pierre Jaussaud, seguidos de duas Porsche 936.
O Alpine Renault da dupla Didier Pironi/Jean Pierre Jaussaud, vencedores de Le Mans em 1978
O GRUPO V
O trio Gomes/Guaraná/Amaral correria no Grupo V, categoria que havia sido vencida pelo mesmo carro de Cachia no ano anterior. Só que a concorrência na categoria esse ano seria muito mais difícil: o Moby Dick, extremamente mais desenvolvido do que qualquer outro Porsche na competição, até mesmo os 936, estava inscrito na mesma categoria, com Rolf Stommelen e Manfred Schurti. A única coisa que ajudaria um pouco os Porsche 935 tradicionais era que o Moby Dick era um grande beberrão: precisava ser reabastecido a cada 40 minutos, ao passou que os 935 tradicionais (como o do Cachia) aguentavam 55 minutos entre as paradas.
O Porsche usado pelo trio brasileiro vencera o Grupo V em 1977, nas mãos do francês Claude Ballot-Lena e do americano Peter Gregg. Chegou em 3o. na geral
Nos treinos, segundo se esperava, o Moby Dick superou todos os concorrentes, mas supreendentemente, chegou a bater diversos carros do Grupo 6 (protótipos), formando em 3a. posição na largada: só o Porsche de Ickx e o Alpine de Depailler foram mais rápidos.
O Grupo V não era a única categoria na qual correriam os Porsche 935. Na categoria IMSA correriam dois 935, que batalhariam contra diversas Ferrari 512BB, dois Carrera, um Chevy Monza e uma BMW CSL.
No Grupo V uma surpresa. A Mercedes voltava a Le Mans, embora não oficialmente, com uma Mercedes 450SLC inscrita pela AMG. Infelizmente, o carro era insuficientemente veloz, pouco mais de um carro de Grupo 2(daqueles que corriam no Campeonato Europeu de Turismo), e Clemens Schickentanz/Hans Heyer voltaram mais cedo para casa. A categoria acabou se resumindo a oito 935s, inclusive três carros da Kremer, um da equipe de Georg Loss, incluindo o 935 de fábrica.
Nos treinos, os brasileiros conseguiram alinhar na 12a. fila, com o 23o. tempo, sexto lugar no Grupo V. Ballot-Lena, veterano Porschista, que havia chegado em terceiro com o mesmo carro no ano anterior, provou-o, obtendo a marca de 4’05”09. No fim os brasileiros conseguiram bater o veterano francês: o mais rápido foi Paulo Gomes, com 3’59”5, seguido de Alfredo Guaraná, com 4’01”4 e Mario Amaral, 4’04”2. O Moby Dick, por outro lado, marcou 3’30”9, com Stommelen! Mas os brasileiros não estavam muito longe do resto dos seus verdadeiros concorrentes: John Fitzpatrick, especialista em Porsches desde 1972, obtivera o segundo tempo na categoria, com 3’46”5, seguido de Cord (3’50”7), Steve (3’54”8) e Haldi (3’55”8).
A CORRIDA
Na geral, a corrida foi uma batalha exclusiva entre as equipes de fábrica da Renault e da Porsche. O Porsche n° 6 de Wollek/Barth/Ickx foi o mais bem sucedido entre os carros da equipe alemã, mas a Renault acabou liderando em todas as passagens de horas, com Pironi/Jaussaud no começo e no fim, Depailler/Jabouille no meio da corrida. O Moby Dick, enquanto pode, liderou o Grupo V. Na primeira hora estava em 8°, melhorando para 5° na segunda hora, a posição mais alta atingida durante a corrida. O 935 especial nunca esteve fora dos dez primeiros, mas perderam a liderança no grupo na 18a. hora. Dois 935 do Grupo V estiveram entre os três primeiros abandonos, o 935 da Gelo, e um 935 da Kremer. Assim que a batalha do 935 dos brasileiros, que largaram com Paulo Gomes à direção, se configurou em grande parte contra o 935 dos americanos Jim Busby/Chris Cord e Rick Knopp. Esse trio já estava bem próximo dos dez primeiros já na primeira hora, fechando em 12° lugar, enquanto os brasileiros ainda amargavam um longínquo 28°.
O Porsche dos brasileiros entrou para os 10 primeiros na 13a. hora, lá ficando durante o resto da corrida, encostando no Porsche dos americanos na 21a. hora. No final da corrida, os brasileiros ficaram a 7 voltas dos americanos, completando 329 voltas, ou seja 2.789,34 km, contra as 336 voltas do representante da Equipe Kremer. Isso correspondeu a um segundo lugar na classe. Mais impressionante foi o fato de o trio brazuca ter chegado à frente do Moby Dick, que terminou a corrida em 8o. lugar. Cabe lembrar, entretanto, que o Porsche 935 n° 90 da categoria IMSA alcançou o 5o. lugar, com Brian Redman/Dick Barbour e John Paul, ou seja, foi o 935 melhor colocado na corrida.
A realização dos brasileiros foi significativa, pois a grande maioria dos pilotos que chegaram à sua frente eram veteranos de Le Mans, 24 carros terminaram (com 17 classificados), e o trio verde amarelo chegou na frente de dois dos protagonistas da prova: um carro oficial da Porsche (o Moby) e um semi oficial da Renault, o Mirage n° 10 de Schuppan/Laffite/Posey. Entre os brasileiros, somente Paulo Gomes tinha experiência na Europa, na F-3, e era especializado em corridas de longa distância. Guaraná era piloto de Super-vê, com poucas provas de longa distância no seu currículo, e Marinho Amaral era piloto de Divisão/Grupo 1, carros quase sem preparo!
Demonstraram também muito cuidado com o equipamento. Dentre os vinte e quatro carros que receberam a bandeirada, só três não tiveram pelo menos uma parada nos boxes superior a 10 minutos: o Renault dos vencedores, e os Porsche de Cord/Knoop/Busby e de Guarana/Gomes/Amaral. De fato, a grande maioria das paradas do trio foi para reabastecimento e troca de pneus.
A seguir, apresentamos o detalhe das paradas nos boxes do carro 41:
Horário de entrada/ Piloto na entrada/Descrição/Horário de saída/Piloto na saída/Duração da parada, em minutos
16h00/Paulão/Partida/
16h56/Paulão/Reabastecimento/16h57/Paulão/1
17h51/Paulão/Reabastecimento/17h52/Marinho/1
18h53/Marinho/Reabastecimento – troca suporte de barra anti rolamento/ 18h56/Marinho/3
19h56/Marinho/Reabastecimento + óleo/19h57/Guaraná/1
20h45/Guaraná/Reabastecimento/20h46/Guaraná/1
21h46/Guaraná/Reabastecimento/21h48/Paulão/2
22h47/Paulão/Reabastecimento + troca pneus/22h48/Paulão/1
23h49/Paulão/Reabastecimento + óleo + troca lâmpada/23h50/Marinho/1
0h40/Marinho/Reabastecimento/0h41/Marinho/1
1h48/Marinho/Reabastecimento + óleo/1h50/Guaraná/2
2h50/Guaraná/Reabastecimento/2h51/Guaraná/1
3h55/Guaraná/Reabastecimento + troca pneus/3h59/Paulão/4
4h30/Paulão/Reabastecimento + troca lâmpadas/4h31/Paulão/1
5h12/Paulão/Reabastecimento + conserto barra anti-rolamento/5h15/Marinho/3
6h12/Marinho/Reabastecimento + troca pneus/6h14/Marinho/2
7h12/Marinho/Reabastecimento + óleo/7h13/Guaraná/1
8h17/Guaraná/Reabastecimento + troca pneus/8h18/Guaraná/1
9h21/Guaraná/Reabastecimento + óleo/9h22/Paulão/1
10h25/Paulão/Reabastecimento/10h26/Paulão/1
11h28/Paulão/Reabastecimento + óleo/11h29/Marinho/1
12h33/Marinho/Reabastecimento/12h34/Marinho/1
13h38/Marinho/Reabastecimento + óleo/13h39/Paulão/1
14h42/Paulão/Reabastecimento/14h43/Guaraná/1
15h32/Guaraná/Reabastecimento/15h33/Guaraná/1
16h00/Guaraná
Enquanto os brasileiros paravam aproximadamente uma vez por hora, o Moby Dick fez 38 paradas nos boxes!
A volta mais rápida do carro 41 foi feita em 4m03s6, longe de ser a mais rápida no Grupo V, mas também nada mal em relação aos concorrentes. Ficaram na frente dos irmãos Whittington, que ganhariam a corrida no ano seguinte, e de um Porsche da Kremer, além de bater o Porsche 91 da categoria IMSA.
Na reta de Mulsanne, o carro atingiu 192,002 mph(307 km/h) com Paulo Gomes. Na curva antes de Indianapolis, Guaraná atingiu 165,905 mph (264 km/h) e na entrada da Curva Dunlop, Paulão fez 142,915 mph (228,64 km/h). No quesito velocidade foi um os piores Porsche 935 na corrida, sem dúvida, mas a concorrência era muito melhor preparada.
Finalmente, a equipe recebeu 5.000 francos de prêmio (os vencedores Jassaud-Pironi ganharam 120.000 francos), prêmio simbólico em relação aos custos de participação na corrida.
Resultado final das 24 Horas de Le Mans de 1978
Pos./Carro/Pilotos/Voltas/Milhas/Categoria
1. Renault Alpine A442 1.9T/Didier Pironi/Jean-Pierre Jassaud/369/3.134/GR VI 1°
2. Porsche 936/78/2.1 T/Bob Wollek/Jurgen Barth/Jacky Ickx/364/3.087/GR VI 2°
3. Porsche 936/77 2.1 T/Hurley Haywood/Peter Gregg/Reinhold Jöst/362/3.070/GR VI 3°
4.Renault Alpine A442 1.9 T/Jean Ragnotti/Guy Frequelin/Jose Dolhem/Jean Pierre Jabouille/358/3.041/GR VI 4°
5. Porsche 935 T 2.9 T/Brian Redman/Dick Barbour/John Paul/337/2.862/
IMSA 1°
6. Porsche 935 T 2.9 T/Chris Cord/Rich Knoop/Jim Busby/336/2.853/GR V 1°
7. Porsche 935 T 2.9 T/Alfredo Guaraná Menezes/Paulo Gomes/Mario Amaral/329/2.789/GR V 2°
8. Porsche 935 T 3.2/Rolf Stommelen/Manfred Schurti/326/2.763/GR V 3°
9. Rondeau M 378 Cosworth 2.9/Jean Rondeau/Bernard Darniche/Jacky Haran/294/2.497/GTP 1°
10.Mirage M9 – Renault 1.9 T/Vern Schuppan/Jacques Laffite/Sam Posey/
293/2.490/GR VI 5°
OUTROS SETE CARROS CLASSIFICADOS - OUTROS SETE CARROS CORRENDO NO FINAL, MAS SEM OBTER CLASSIFICAÇÂO
Volta mais rápida: Jean Pierre Jabouille (Renault Alpine A443) 3m34s2, média de 142,445 mph (227,0 km/h) (226a. volta) (Recorde de volta)
Não é bem um video, mas sim uma apresentação de slides, com belas fotos desse evento. No 1m14s você verá o Porsche dos brasileiros.
http://youtube.com/watch?v=CJC_4kup0fs&feature=related