Certas coisas nunca mudam. Nos anos 70 o sonho da FIA e CSI era o envolvimento das montadoras no automobilismo. Infelizmente, à medida que o esporte progredia, cada vez mais as montadoras se afastavam das corridas. O Campeonato Mundial de Marcas, que seria uma vitrine ideal para fabricantes que desejassem promover uma imagem esportiva, há anos era disputado por fabricantes de puros-sangues de competição, fabricantes de carros esportivos como Porsche e Ferrari, e até mesmo por um fabricante de mísseis, que também construía carros em baixíssimos volumes - a Matra. O nome Simca, muito conhecido dos brasileiros, era pura jogada de marketing da Chrysler, dona das duas. A Alfa Romeo era a única fabricante de carros 'normais' que apoiou consistentemente o Mundial de Marcas nessa época.
O grande problema era que os carros que disputavam o campeonato nada mais eram do que carros de F-1 com carenagem de bipostos. Os fabricantes de automóveis não viam muita vantagem de gastar rios de dinheiro para construir 'barchettas' que nada se pareciam com seus modelos de rua. Foi daí que surgiu a idéia do Silhouette, carros de corrida com aparência externa de carros normais.
Não era uma má idéia. Exceto que quando o Campeonato Mundial de Marcas passou a ser disputado por carros de Grupo 5, em 1976, a CSI fez o erro de continuar a promover um campeonato de Grupo 6. Para piorar, os efeitos da séria crise de 1974 ainda se faziam presentes, e quando o campeonato de Grupo 5 começou a ser disputado, só duas montadoras se prontificaram a participar, de um possivel universo de quase 40 montadoras, européias, americanas e asiáticas. A Porsche e a BMW.
Numa análise superficial, o primeiro campeonato prometia muito, apesar de pouca variedade. A Porsche tinha óbvia vantagem em termos de velocidade com seu 935, mas a BMW ganhou três provas com o já provado BMW 3.0 CSL. Esse modelo já vinha disputando corridas do Mundial de Marcas, na categoria Grupo 2 desde 1973, mas apesar do sucesso aparente, a BMW tirou o carro do Grupo 5 em 1977.
A montadora alemã usou um artifício já muito conhecido das fábricas. Em vez de disputar com a Porsche na categoria acima de 2 litros, a BMW colocou nas pistas uma pequena armada de BMWs 320, praticamente garantindo para si o título de campeã da categoria até 2 litros. Assim, Porsche e BMW sairam campeãs. Ninguém gosta de perder, não é mesmo?
Os 320 também eram usados no Deutsche Rennpsport Meisterchaft, que interessava mais à BMW do que o Mundial de Marcas. No Grupo I deste campeonato, a BMW tinha que encarar forte oposição da Ford. Ou seja, a BMW fazia seus carros também pensando no DRM.
Dentro deste cenário, surgiu o BMW M-1, que era o primeiro super carro da BMW. Era um super carro, mas claramente, não teria condições de disputar as corridas do DRM contra os rapidíssímos Porsches-Turbo da Kremer, Gelo e Joest.
Assim, foi criado um super campeonato monomarca. Campeonatos monomarca já eram a voga na época. Geralmente, os monomarca eram promovidos para modelos populares, que não teriam a mínima chance em corridas normais, como o Renault R-5, FIATs de diversos tipos e VW Rabbit. Nesse ponto, a série Procar diferiu muito, pois foi o primeiro campeonato monomarca para supercarros - isso nos anos 70.
O campeonato foi realizado duas vezes, em 79 e 80. As provas eram preliminares de Grandes Prêmios na Europa, e eram convidados os cinco primeiros colocados nos treinos de sexta-feira, que se juntavam a diversas equipes participantes. Os carros dos convidados da F-1 eram inscritos e mantidos pela BMW Motorsport. Nem todos pilotos convidados participavam, por questões contratuais.
Ao todo, se realizaram, 17 provas. A primeira ocorreu em Zolder, Bélgica, e foi ganha por Elio de Angelis. A primeira participação brasileira na série se deu na segunda corrida, em Monaco, onde Emerson Fittipaldi chegou em terceiro. Na terceira prova, em Dijon, Nelson Piquet correu pela primeira vez e ganhou a corrida, como convidado da BMW Motorsport. O campeão da primeira Procar foi o companheiro de equipe de Piquet, Niki Lauda, que ganhou três corridas. Entre os diversos pilotos permanentes da série estavam Dieter Quester, Bruno Giacomelli, Toine Hezemans,
Franz Konrad, Manfred Winkelhock e Markus Hoettinger.
VIDEO DA PRIMEIRA CORRIDA DA PROCAR EM MONACO, 1979
http://youtube.com/watch?v=wVbCoqiL8QU
Um grande sucesso entre os fãs, o campeonato foi repetido em 1980, desta feita com vitória brasileira. Nelson Piquet ganhou as três últimas corridas do torneio, na Áustria, Holanda e Itália, sagrando-se campeão, ganhando um M-1 e 50 paus. Com a vitória, Piquet ganhava seu segundo título no exterior, e junto com Hans Joachin Stuck foi o maior vencedor de corridas da Procar, com 4 vitórias. Cabe notar que esses mesmos dois pilotos, Stuck e Piquet, também ganharam os 1000 km de Nurburgring de 1981, com um M-1. Além dos mencionados acima, ganharam povas da procar Jacques Lafitte, Didier Pironi e Carlos Reutemann, entre os pilotos de F-1, e Jan Lammers e Manfred Schurti, entre os pilotos efetivos da série.
Grande parte do sucesso da Procar se deve ao fato de ser um dos poucos lugares onde diversos pilotos de primeira de Grande Prêmio podiam ser vistos disputando coridas com carros de outra categoria. A última corrida da série, por exemplo, contou com o vice-campeão e campeão do mundo daquele ano (1980) em primeiro e segundo lugar, e o terceiro colocado no campeonato terminou em sétimo. Uma coisa inimaginável já naquela época, hoje em dia impossível.
Apesar do sucesso, a BMW não promoveu mais a série, preparando-se para a sua entrada na F-1 em 1982. O M-1 continuou a ser usado no Mundial de Marcas, até 1982, e também no DRM.
Carlos de Paula é tradutor, escritor e historiador baseado em Miami. Queiram, ou não.